Este texto abaixo foi um trabalho que apresentei na faculdade. Levei nota 2 (!!!) por ele, mas publico aqui porque eu, particularmente, gostei muito (apesar da nota). O trabalho era pra ser uma comparação de um vídeo e de um texto. Talvez meu avaliador (a) não tenha gostado de eu ter incluído um terceiro personagem nas comparações, ou talvez não tenha concordado com minhas conclusões. Que o leitor avalie.
Hoje
temos a percepção de que estamos perdendo tempo, o tempo está
acelerado na nossa sociedade, “não temos tempo a perder” (Renato
Russo), ao mesmo tempo em que a juventude parece ter “todo o tempo
do mundo”. O homem moderno passou a realizar tudo com muita
rapidez. As grandes empresas precisam produzir muito e rápido, e
também precisam vender rapidamente para que esse processo não pare,
as tecnologias, sempre se atualizando de maneira rápida, ajudam a
acelerar o nosso tempo, assim como os transportes, cada vez mais
rápidos. Se é assim, deveríamos estar ganhando tempo e não com a
sensação de estar perdendo tempo, não é mesmo?
Essa
experiência do tempo na sociedade contemporânea é o que Olgária
Matos vai tentar explicar no vídeo “Tempo sem experiência”
(https://www.youtube.com/watch?v=arANFGj10Tg).
Também
Hartmut Rosa no texto “Os prazeres da motocicleta” (tentei encontrar o texto na internet, mas não encontrei) trata do mesmo
assunto, com algumas variantes, obviamente.
Olgária
Matos fala de uma falência de valores na sociedade, que faz com que
nosso tempo disponível seja desprovido de propósito, o que me leva
a lembrar de Viktor Frankl, um psicólogo judeu que fundou a chamada
Logoterapia. No livro “Em busca de sentido”, Frankl, já no
prefácio, identifica como “uma expressão de miséria dos nossos
tempos: se centenas de milhares de pessoas procuram um livro cujo
título promete abordar o problema do sentido da vida, deve ser uma
questão que as está incomodando muito”.
Porém,
o que Viktor E. Frankl explica com genialidade em seu livro, Olgária
Matos e Harmut Rosa tentam falar de maneira confusa, causando talvez
mais dúvidas do que antes de suas tentativas de explicar que o homem
moderno sente um vazio existencial dentro de si que acaba tentando
preencher com as drogas, com guerras (segundo Olgária) ou com uma
liberdade (e desejo de poder e ser), cujo símbolo seria uma
motocicleta (segundo Hartmut), “na
experiência sensual de dominar a vida em alta velocidade”.
O
que faz com que o homem tenha esse vazio existencial, que acaba
fazendo com que ele utilize mal seu tempo, fazendo com que o tempo
disponível seja um tempo melancólico, tedioso, vazio, que lhe dá a
impressão de estar perdendo tempo? Olgária identifica uma ausência
de valores na sociedade contemporânea, quando compara com as
sociedades medievais, principalmente, dizendo que o homem medieval
dirigia seu tempo ao divino (“o homem ocidental, pelo menos”, ou,
melhor diríamos, o homem europeu). E esse é justamente o ponto onde
nem a filósofa (Olgária Matos) nem o sociólogo (Harmut Rosa)
conseguem entender (ou pelo menos não mostram em seus respectivos
trabalhos analisados aqui), e que o psicólogo (Viktor Frankl)
analisa com maestria, sem precisar se voltar para uma religiosidade
(que mereceria também estar nessa tentativa de explicação): “a
vida tem um sentido potencial sob quaisquer circunstâncias, mesmo as
mais miseráveis”. Isso vindo de um homem que, inclusive, esteve
preso num campo de concentração nazista, durante a Segunda Guerra
Mundial, e sobreviveu a ele, tem um grande valor.
Olgária
chega a se perder em análises sobre o capitalismo e, embora seja
muito aproveitável o que ela diz, sem dúvida, é também explicado
de uma maneira confusa. Traz comparações entre melancolia, tédio,
acídia, tentando adornar sua explicação, mas acaba sendo pouco
objetiva e trazendo mais informações do que o necessário para
entender o que ela quer dizer e refletir. Harmut também não
encontra uma solução objetiva à questão. Este fala sobre a
motocicleta, como já dissemos, ser o símbolo da “alta
modernidade”, mas também fala sobre o símbolo da “modernidade
tardia” ser o hamster correndo num círculo, apressado, sem sair do
lugar. Ambos não conseguem chegar, como Frankl chegou, a uma
conclusão objetiva, de que o homem procura um sentido à sua vida.
Gordon
Allport, também psicólogo, que escreveu o prefácio da edição
norte-americana do livro “Em busca de sentido” (Frankl), disse:
“A vida é sofrimento, e sobreviver é encontrar sentido na dor. Se
há, de algum modo, um propósito na vida, deve havê-lo também na
dor e na morte. Mas pessoa alguma pode dizer à outra o que é esse
propósito. Cada um deve descobri-lo por si mesmo e aceitar a
responsabilidade que sua resposta implica”. No livro, Viktor Frankl
cita ainda uma frase do filósofo Nietzsche, que se encaixa bem no
que ele está ensinando: “Quem tem por que viver pode suportar
quase qualquer como”.
Impossível
também não lembrar dos filósofos cristãos, quando lemos o que
Gordon Allport escreveu. É como se a resposta à falta de valores de
que Olgária Matos percebe já estivesse respondida há séculos, mas
por não quererem uma resposta cristã à pergunta do sentido da vida
(e também por se alimentar demasiadamente de fontes marxistas, tanto
Olgária quanto Harmut), ficam a divagar sobre o tema sem conseguir
chegar a um desfecho objetivo útil. Viktor Frankl não se utiliza
dos valores cristãos (ele é judeu) apenas, mas de tudo aquilo que
pode dar sentido à vida de um ser humano, para que este tenha um
propósito de vida.
A
sociedade atual, perdida, sem valores, cada vez mais voltada para
prazeres e divertimentos (esse é um dos motivos, objetivamente
falando, de sua falta de sentido, mas que tanto a filósofa quanto o
sociólogo falham miseravelmente em identificar), em busca de coisas
primárias, mesmo tendo a possibilidade de transcender, coloca o sexo
como uma necessidade básica do ser humano (e, na prática, coloca o
sexo como um “valor” a ser buscado e experimentado). No campo de
concentração nazista, o psicólogo notou que o instinto sexual não
se manifestava. Naquele momento terrível, o sexo não era tão
básico e importante quanto a sociedade contemporânea quer nos fazer
crer. Em contrapartida, o “interesse religioso dos prisioneiros,
quando surgia, era o mais ardente que se possa imaginar. Não era sem
um certo abalo que os prisioneiros recém-chegados se surpreendiam
com a vitalidade e profundidade do sentimento religioso”.
Em
seus trabalhos, tanto a filósofa quanto o sociólogo, ignoram
completamente o sentimento religioso. Preferem voltar suas análises
à parte política (que o psicólogo também analisa, por isso ser o
seu um trabalho completo), a condições de trabalho advindas do
capitalismo selvagem. Parecem que estão, também eles, “em busca
de sentido”, para tentar explicar a experiência do tempo na
sociedade contemporânea. “No
campo de concentração se pode privar a pessoa de tudo, menos da
liberdade última de assumir uma atitude alternativa frente às
condições dadas. E havia uma alternativa!” (Frankl).
Talvez
a melhor parte do livro de Frankl, e que fala sobre esse sentido,
esse propósito de vida que estamos refletindo, tanto no texto de
Harmut Rosa quanto no video de Olgária Matos, que faria com que a
sensação de tempo perdido, de uma experiência vazia, esteja neste
parágrafo:
“A
maioria preocupava-se com a questão: ‘será que vamos sobreviver
ao
campo de concentração? Pois, caso contrário, todo esse sofrimento
não
tem sentido’. Em contraste, a pergunta que me afligia era outra:
‘será
que
tem sentido todo esse sofrimento, essa morte ao nosso redor? Pois,
caso
contrário, afinal de contas, não faz sentido sobreviver ao campo
de
concentração” (FRANKL, Viktor. “Em busca de sentido”, Ed.
Vozes, pág 90)
O
psicólogo se saiu melhor que a filósofa e o sociólogo, mas todos
dão grande contribuição ao tema, para que possamos fugir à acídia
(preguiça espiritual), à melancolia e ao tédio, e assim chegarmos
a uma vida que tenha um propósito, um sentido.