terça-feira, 27 de março de 2018

A EXPERIÊNCIA DO TEMPO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

     *por Wilson Junior

           Este texto abaixo foi um trabalho que apresentei na faculdade. Levei nota 2 (!!!) por ele, mas publico aqui porque eu, particularmente, gostei muito (apesar da nota). O trabalho era pra ser uma comparação de um vídeo e de um texto. Talvez meu avaliador (a) não tenha gostado de eu ter incluído um terceiro personagem nas comparações, ou talvez não tenha concordado com minhas conclusões. Que o leitor avalie. 

           Hoje temos a percepção de que estamos perdendo tempo, o tempo está acelerado na nossa sociedade, “não temos tempo a perder” (Renato Russo), ao mesmo tempo em que a juventude parece ter “todo o tempo do mundo”. O homem moderno passou a realizar tudo com muita rapidez. As grandes empresas precisam produzir muito e rápido, e também precisam vender rapidamente para que esse processo não pare, as tecnologias, sempre se atualizando de maneira rápida, ajudam a acelerar o nosso tempo, assim como os transportes, cada vez mais rápidos. Se é assim, deveríamos estar ganhando tempo e não com a sensação de estar perdendo tempo, não é mesmo?

   
           Essa experiência do tempo na sociedade contemporânea é o que Olgária Matos vai tentar explicar no vídeo “Tempo sem experiência” (https://www.youtube.com/watch?v=arANFGj10Tg). Também Hartmut Rosa no texto “Os prazeres da motocicleta” (tentei encontrar o texto na internet, mas não encontrei) trata do mesmo assunto, com algumas variantes, obviamente.


           Olgária Matos fala de uma falência de valores na sociedade, que faz com que nosso tempo disponível seja desprovido de propósito, o que me leva a lembrar de Viktor Frankl, um psicólogo judeu que fundou a chamada Logoterapia. No livro “Em busca de sentido”, Frankl, já no prefácio, identifica como “uma expressão de miséria dos nossos tempos: se centenas de milhares de pessoas procuram um livro cujo título promete abordar o problema do sentido da vida, deve ser uma questão que as está incomodando muito”.

          Porém, o que Viktor E. Frankl explica com genialidade em seu livro, Olgária Matos e Harmut Rosa tentam falar de maneira confusa, causando talvez mais dúvidas do que antes de suas tentativas de explicar que o homem moderno sente um vazio existencial dentro de si que acaba tentando preencher com as drogas, com guerras (segundo Olgária) ou com uma liberdade (e desejo de poder e ser), cujo símbolo seria uma motocicleta (segundo Hartmut), “na experiência sensual de dominar a vida em alta velocidade”.


          O que faz com que o homem tenha esse vazio existencial, que acaba fazendo com que ele utilize mal seu tempo, fazendo com que o tempo disponível seja um tempo melancólico, tedioso, vazio, que lhe dá a impressão de estar perdendo tempo? Olgária identifica uma ausência de valores na sociedade contemporânea, quando compara com as sociedades medievais, principalmente, dizendo que o homem medieval dirigia seu tempo ao divino (“o homem ocidental, pelo menos”, ou, melhor diríamos, o homem europeu). E esse é justamente o ponto onde nem a filósofa (Olgária Matos) nem o sociólogo (Harmut Rosa) conseguem entender (ou pelo menos não mostram em seus respectivos trabalhos analisados aqui), e que o psicólogo (Viktor Frankl) analisa com maestria, sem precisar se voltar para uma religiosidade (que mereceria também estar nessa tentativa de explicação): “a vida tem um sentido potencial sob quaisquer circunstâncias, mesmo as mais miseráveis”. Isso vindo de um homem que, inclusive, esteve preso num campo de concentração nazista, durante a Segunda Guerra Mundial, e sobreviveu a ele, tem um grande valor.

          Olgária chega a se perder em análises sobre o capitalismo e, embora seja muito aproveitável o que ela diz, sem dúvida, é também explicado de uma maneira confusa. Traz comparações entre melancolia, tédio, acídia, tentando adornar sua explicação, mas acaba sendo pouco objetiva e trazendo mais informações do que o necessário para entender o que ela quer dizer e refletir. Harmut também não encontra uma solução objetiva à questão. Este fala sobre a motocicleta, como já dissemos, ser o símbolo da “alta modernidade”, mas também fala sobre o símbolo da “modernidade tardia” ser o hamster correndo num círculo, apressado, sem sair do lugar. Ambos não conseguem chegar, como Frankl chegou, a uma conclusão objetiva, de que o homem procura um sentido à sua vida.

          Gordon Allport, também psicólogo, que escreveu o prefácio da edição norte-americana do livro “Em busca de sentido” (Frankl), disse: “A vida é sofrimento, e sobreviver é encontrar sentido na dor. Se há, de algum modo, um propósito na vida, deve havê-lo também na dor e na morte. Mas pessoa alguma pode dizer à outra o que é esse propósito. Cada um deve descobri-lo por si mesmo e aceitar a responsabilidade que sua resposta implica”. No livro, Viktor Frankl cita ainda uma frase do filósofo Nietzsche, que se encaixa bem no que ele está ensinando: “Quem tem por que viver pode suportar quase qualquer como”.



           Impossível também não lembrar dos filósofos cristãos, quando lemos o que Gordon Allport escreveu. É como se a resposta à falta de valores de que Olgária Matos percebe já estivesse respondida há séculos, mas por não quererem uma resposta cristã à pergunta do sentido da vida (e também por se alimentar demasiadamente de fontes marxistas, tanto Olgária quanto Harmut), ficam a divagar sobre o tema sem conseguir chegar a um desfecho objetivo útil. Viktor Frankl não se utiliza dos valores cristãos (ele é judeu) apenas, mas de tudo aquilo que pode dar sentido à vida de um ser humano, para que este tenha um propósito de vida.

           A sociedade atual, perdida, sem valores, cada vez mais voltada para prazeres e divertimentos (esse é um dos motivos, objetivamente falando, de sua falta de sentido, mas que tanto a filósofa quanto o sociólogo falham miseravelmente em identificar), em busca de coisas primárias, mesmo tendo a possibilidade de transcender, coloca o sexo como uma necessidade básica do ser humano (e, na prática, coloca o sexo como um “valor” a ser buscado e experimentado). No campo de concentração nazista, o psicólogo notou que o instinto sexual não se manifestava. Naquele momento terrível, o sexo não era tão básico e importante quanto a sociedade contemporânea quer nos fazer crer. Em contrapartida, o “interesse religioso dos prisioneiros, quando surgia, era o mais ardente que se possa imaginar. Não era sem um certo abalo que os prisioneiros recém-chegados se surpreendiam com a vitalidade e profundidade do sentimento religioso”.

          Em seus trabalhos, tanto a filósofa quanto o sociólogo, ignoram completamente o sentimento religioso. Preferem voltar suas análises à parte política (que o psicólogo também analisa, por isso ser o seu um trabalho completo), a condições de trabalho advindas do capitalismo selvagem. Parecem que estão, também eles, “em busca de sentido”, para tentar explicar a experiência do tempo na sociedade contemporânea. “No campo de concentração se pode privar a pessoa de tudo, menos da liberdade última de assumir uma atitude alternativa frente às condições dadas. E havia uma alternativa!” (Frankl).


          Talvez a melhor parte do livro de Frankl, e que fala sobre esse sentido, esse propósito de vida que estamos refletindo, tanto no texto de Harmut Rosa quanto no video de Olgária Matos, que faria com que a sensação de tempo perdido, de uma experiência vazia, esteja neste parágrafo:
          “A maioria preocupava-se com a questão: ‘será que vamos sobreviver
           ao campo de concentração? Pois, caso contrário, todo esse sofrimento
           não tem sentido’. Em contraste, a pergunta que me afligia era outra: ‘será
           que tem sentido todo esse sofrimento, essa morte ao nosso redor? Pois,
           caso contrário, afinal de contas, não faz sentido sobreviver ao campo
           de concentração” (FRANKL, Viktor. “Em busca de sentido”, Ed. Vozes, pág 90)

          O psicólogo se saiu melhor que a filósofa e o sociólogo, mas todos dão grande contribuição ao tema, para que possamos fugir à acídia (preguiça espiritual), à melancolia e ao tédio, e assim chegarmos a uma vida que tenha um propósito, um sentido.