sexta-feira, 4 de março de 2016

Papa João XXIII e o discurso inaugural do Concílio Vaticano II

Mais um texto antigo (de 2012), mas importante, sobre o discurso do Papa João XXIII.

Ano da Fé - 50 anos do Concílio Vaticano II
Wilson Jr – 04.12.2012 – Parte 1: Discurso inaugural do Papa João XXIII

·                   Discurso inaugural do Papa João XXIII

Em 11 de outubro de 1962, na abertura solene do Concílio Vaticano II, o Papa João XXIII fez um discurso direcionando o caminho que o Concílio deveria seguir. Destacaremos alguns pontos, para que, no decorrer do estudo (sobre o Concílio), não tenhamos desvios do seu reto propósito, de acordo com as intenções do Papa e, acima de tudo, conforme o Espírito de amor e verdade que guia e santifica a Igreja. 

Interessante como o Papa inicia o discurso, que está na íntegra no site do Vaticano: http://www.vatican.va/holy_father/john_xxiii/speeches/1962/documents/hf_j-xxiii_spe_19621011_opening-council_po.html.

Ele diz que todos os concílios...testemunham claramente a vitalidade da Igreja Católica e constituem pontos luminosos da sua história” e que pretendeu “afirmar, mais uma vez, a continuidade do magistério eclesiástico”. Quem atribui que as intenções do Papa João XXIII era romper com a Igreja do passado não se baseia numa verdade objetiva. As “intenções” de João XXIII só Deus conhece, o que nós conhecemos é o que ele nos comunicou: que o Concílio, assim como todos os outros, seria um ponto luminoso para a Igreja e teria continuidade consigo mesma. Nesse primeiro ponto já vemos claramente como deveremos entender as proposições que serão feitas por um concílio que quis ser apenas pastoral, sem condenações nem proclamações de dogmas.

O grande problema, proposto ao mundo, depois de quase dois milênios, continua o mesmo. Cristo sempre a brilhar no centro da história e da vida; os homens ou estão com ele e com a sua Igreja, e então gozam da luz, da bondade, da ordem e da paz; ou estão sem ele, ou contra ele, e deliberadamente contra a sua Igreja: tornam-se motivo de confusão, causando aspereza nas relações humanas, e perigos contínuos de guerras fratricidas”.

Já há muito de significativo no que João XXIII falou até aqui. O problema dos homens, ao longo da história, é o mesmo: estar com Cristo e sua Igreja (com seus concílios a iluminar a vida dos homens, sempre em continuidade com a fé que recebeu do Senhor) ou estar contra Cristo (estando contra a sua Igreja).

Quando o Papa clama por “atualizações oportunas”, dentro do contexto de seu discurso, fica mais do que claro que fala da maneira de evangelizar, e não de ruptura com a doutrina da Igreja, evidentemente. O Papa revela um enorme otimismo, que não deixa de ser compreensível, pela situação em que se encontra (partindo do princípio de que ele realmente queria o melhor para a Igreja e para o mundo inteiro), iniciando um momento histórico na Igreja. Um esperançoso otimismo, depois de duas guerras mundiais terminadas, mas o tempo mostrou que sua esperança foi exageradamente otimista.

No exercício cotidiano do nosso ministério pastoral ferem nossos ouvidos sugestões de almas, ardorosas sem dúvida no zelo, mas não dotadas de grande sentido de discrição e moderação. Nos tempos atuais, elas não veem senão prevaricações e ruínas...Mas parece-nos que devemos discordar desses profetas da desventura, que anunciam acontecimentos sempre infaustos, como se estivesse iminente o fim do mundo”.

Há quem diga que nesses “profetas da desventura” estaria um recado a irmã Lúcia de Fátima, e seus insistentes apelos por penitência e conversão. O famoso terceiro segredo de Fátima deveria ter sido revelado em 1960, mas foi ignorado por João XXIII. Ela não era a única “profeta da desventura”: desde o século XIX, inúmeros avisos foram dados sobre dificuldades: Nossa Senhora das Graças, beata Ana Catarina Emmerich, são João Bosco, Nossa Senhora de La Salette, só pra citar alguns que não compartilharam o otimismo de João XXIII. Nem seus predecessores tiveram também esse otimismo: basta ver, por exemplo, Leão XIII e são Pio X, impressionadíssimos com os avisos de “desventuras” futuras. Também fica mais fácil falar agora, depois de algum tempo, mas na ocasião poderia parecer ao Papa, com o término da 2ª Guerra Mundial, que viriam dias melhores para a Igreja e para o mundo. Porém, poucos anos depois do término do Concílio, já se via como seu otimismo era exagerado, com a revolução cultural que tomou conta do mundo.

O que mais importa ao Concílio Ecumênico é o seguinte: que o depósito sagrado da doutrina cristã seja guardado e ensinado de forma mais eficaz”. Diante desta frase do Papa, como é que muitos, ainda hoje, podem ter a coragem de dizer que as “intenções” de João XXIII eram romper com o passado da Igreja? “É nosso dever não só conservar este tesouro precioso...” (o tesouro dos concílios anteriores) “...mas também dedicar-nos com vontade pronta e sem temor àquele trabalho hoje exigido, prosseguindo assim o caminho que a Igreja percorre há vinte séculos”.

Se aqueles que defendiam que o Papa João XXIII queria uma nova Igreja, rompendo com a do passado, ainda tem dúvidas, o parágrafo seguinte acaba com todas: “...Mas, da renovada, serena e tranquila adesão a todo o ensino da Igreja, na sua integridade e exatidão, como ainda brilha nas Atas Conciliares desde Trento até ao Vaticano I, o espírito cristão, católico e apostólico do mundo inteiro espera um progresso na penetração doutrinal e na formação das consciências; é necessário que esta doutrina certa e imutável, que deve ser fielmente respeitada, seja profundada e exposta de forma a responder às exigências do nosso tempo”.

Aqui: ou estou maluco, ou o Papa dá sua adesão a todo ensino da Igreja e que esse ensino, certo e imutável, deve ser fielmente respeitado. O que ele pede, então, é um aprofundamento desse ensino para que ele penetre nos fiéis e seja uma resposta às exigências do tempo. Ele fala não de uma nova doutrina, mas de uma maneira mais eficaz de anunciar essa mesma doutrina.

Em seguida, ele dá uma diretriz para o modelo do Concílio, que vai diferente dos anteriores (pastoralmente): A Igreja sempre se opôs aos erros e “até os condenou com a maior severidade”. Agora, porém, “a esposa de Cristo prefere usar mais o remédio da misericórdia do que o da severidade. Julga satisfazer melhor às necessidades de hoje mostrando a validez da sua doutrina do que renovando condenações”. Aqui acrescento minha pobre contribuição: uma nobre intenção do Papa, mas ingênua e equivocada. A severidade da Igreja TEM que existir com os ERROS, sempre! A misericórdia com as pessoas, não com os erros. As aparentes boas intenções do Papa foram usadas por grupos que distorceram completamente o que ele disse que deveria ser a diretriz do Concílio. “...a Igreja não oferece aos homens de hoje riquezas caducas, não promete uma felicidade só terrena...” Vejam como a coisa pode ser distorcida: quando o Papa diz que a Igreja não oferece aos homens ‘riqueza caducas’ há quem diga que ele quer mudar o que a Igreja tem oferecido, por estar caduco. Mas, claramente, no contexto geral de seu discurso, as ‘riquezas caducas’ que ele fala são as do mundo, que satisfazem apenas aqui na terra. Só não vê quem não quer.

Então o Papa fala do esforço da Unidade: “...parece brilhar com tríplice raio de luz sobrenatural e benéfica: a unidade dos católicos entre si, que se deve manter exemplarmente firmíssima...” (que está cada vez mais difícil após o Concílio) “...a unidade de orações e desejos ardentes, com os quais os cristãos separados desta Sé Apostólica ambicionam unir-se conosco...” (não unirmos-nos a eles, mas eles unirem-se novamente conosco) “...por fim, a unidade na estima e no respeito para com a Igreja Católica, por parte daqueles que seguem ainda religiões não-cristãs” (‘Ainda’ seguem, mas um dia estarão conosco, na mesma fé). Como foram mal interpretadas essas palavras do Papa! Como foram distorcidas para um ecumenismo que abraça a todos os erros e nega somente...a verdade revelada por Cristo à sua Igreja! “Quanto a isso, é motivo de tristeza considerar como a maior parte do gênero humano, apesar de todos os homens terem sido remidos pelo sangue de Cristo, não partilhem daquelas fontes da graça divina que existem na Igreja Católica”.

A esperança de João XXIII é que o Concílio que se inicia seja uma “luz brilhante”. Coloca o Concílio sob a proteção dos santos, especialmente de Nossa Senhora (mas sem dar atenção aos seus avisos), também obviamente de Nosso Senhor Jesus Cristo, e assim termina o discurso.

Só para dar um exemplo concreto de como as palavras do Papa são utilizadas de maneira errada: num texto sobre os 50 anos do Concílio Vaticano II, do falecido padre José Comblin, conhecido teólogo da libertação, ele diz: “houve o discurso de abertura de João XXIII, que rompia decididamente com a tradição dos papas anteriores” (revista Adista Documenti nº 68, 24-09-2011). O discurso que “rompeu” com a tradição foi esse que vimos acima. Só posso tirar cinco conclusões dessa afirmação do padre José Comblim:

1.      Não estamos falando do mesmo discurso (pode ter sido mais de um?);
2.       O discurso que está disponível no site do Vaticano foi modificado;
3.       Ou eu ou o padre não compreendemos bem o discurso;
4.       Ele, propositadamente, distorceu o discurso de acordo com seus interesses;
5.       Eu distorci o que o Papa disse no discurso de acordo com minhas opiniões.

Mais uma vez repito: somente Deus conhece as intenções. Vou ser sincero: não acredito que o padre José Comblim não tenha entendido o que o Papa falou. Ele era muito inteligente para não entender (a não ser por uma cegueira espiritual, obstinando-se em suas próprias convicções, afastando-se da Igreja; o que seria possível a qualquer um). Resta que ele usou de um recurso desonesto para tentar convencer a outros que o Papa disse o que não disse. Seria possível que ele tivesse citado o discurso de João XXIII sem tê-lo lido? Seria imprudência e também desonestidade. Que Deus tenha misericórdia de sua alma!


Que Nossa Senhora nos mantenha na Igreja de seu Filho, unidos ao Papa e ao Magistério infalível dessa mesma Igreja! Assim seja!

Wilson Junior

Nenhum comentário:

Postar um comentário